Carregando, com dificuldade, uma bolsa de couro, pesada, pendurada no braço esquerdo, o único que, por ser aleijado e imobilizado, não pode fazer outra coisa além disso... O direito fica encarregado de executar o seu serviço, qual seja: pegar as mercadorias que vende de casa em casa como linhas, agulhas, alfinetes, grampos, pregadores e outros como: sabonetes, cremes, shampoos, enfim, tudo o mais que naquela bolsa couber.
Apesar da paralisia que Gabriel teve na infância e que o deixou com um aleijão muito acentuado, ele carrega sua cruz, sem reclamar... Sua aparência física é de impactar! Seu corpo, todo deformado, a cada passo que dá, tende para o lado esquerdo. A boca torta, mal consegue pronunciar as palavras, mas Gabriel precisa trabalhar porque sua família é pobre e precisa da sua ajuda...
Independente da sua feiura, Gabriel, é conhecido e muito estimado pelas senhoras, suas freguesas que, uma vez por semana, o esperam com ansiedade procurando por pequenos, mas importantes objetos úteis para o lar e ele sempre os tem, para servi-las... Elas, até o apelidaram de “O menino anjo”. E por que isto? Simplesmente porque Gabriel , além da sua educação, conquista a todas com os seus olhos azuis da cor do céu, com um olhar terno e doce e tão brilhante que, diante dele, as pessoas nem percebem a sua feiura externa e se fixam naquele olhar carinhoso... Alguns até acreditam que Gabriel é, realmente, um anjo que veio ao mundo para mostrar às pessoas que todos podem ser felizes e ativos, independente da sua feiura ou dependência física...
Gabriel, também, tem um tesouro que é a sua inteligência para números. Quando efetua uma venda, sem calculadora ou outra ajuda qualquer, faz mentalmente os cálculos e dá ao comprador o troco certinho, sem errar um centavo sequer. Antes de pegar o dinheiro do freguês, entrega a mercadoria, faz o cálculo e com o braço direito, introduz a mão com os dois dedos, o indicador e o médio em forma de tesoura e retira, do bolso esquerdo, o troco. Quando o freguês, por pena, tenta deixar para ele o troco, faz, com a cabeça um sinal de recusa e com aquele olhar angelical, consegue apenas pronunciar: obrri-gaa-do!
Dona Cristina, uma das suas freguesas, pessoa do bem e muito caridosa, procurava por pessoas que conhecessem a história de Gabriel e trouxessem para ela a fim de ajudá-lo e a sua família... Não demorou e apresentaram-lhe um jóvem chamado Josias, primo de Gabriel e quase da mesma idade, dezoito anos.
Dona Cristina recebeu-o em sua casa com carinho, pediu que se sentasse e após oferecer-lhe uma água ou um suco, josias aceitou somente a água e perguntou-lhe:
- Soube que a senhora quer falar comigo... Posso lhe ajudar em alguma coisa?
- Pode sim, Josias. Esse é o seu nome, não é? E o meu é Cristina, muito prazer!
Dona Cristina viu logo que podia confiar naquele menino, tão simples e educado quanto Gabriel; por isso, foi direto ao assunto:
- Conte-me a história do Gabriel ... Quem são seus pais? Onde ele mora? Queria tanto ajudá-lo... Sei que ele precisa, embora não demonstre...
- Olhe dona Cristina, a história do Gabriel é muito triste e eu prefiro que a minha mãe venha lhe contar. Ele não tem mãe nem pai e mora com minha mãe e comigo. Amanhã vou trazê-la aqui para a senhora conhece-la...
- Está bem, Josias, ficarei esperando ansiosa. Obrigada!
No dia seguinte, pela mãe de Josias, dona Eliete, Cristina ficou sabendo da história do Gabriel e de todo o sofrimento por que passou pela maldade e ganância de um homem cruel que foi seu padrasto. Dona Eliete começou sua narrativa assim:
- A mãe de Gabriel, minha querida irmã Leila, era casada e feliz. Quando Gabriel estava com dois anos de idade, seu pai Pedro Paulo faleceu, de repente, do coração. Minha irmã sofreu muito com a viuvez, mas era forte e financeiramente independente; Além de possuir alguns bens deixados por seu marido, tinha também, um bom salário como profissional competente na firma em que trabalhava. A certeza de que possuía um bom futuro para ela e para o filho, deixava-a tranquila, não admitia, em hipótese alguma, a possibilidade de casar-se novamente. Mas, o destino é traiçoeiro! Colocou na vida de minha irmã um homem bonito, de voz macia que tudo fez para conquistar sua confiança. Como advogado novo na Empresa em que Leila trabalhava, viam-se todos os dias e, aos poucos, a convivência entre os dois foi aumentando até que, num dado momento, Leila convenceu-se de que poderia aceitar, sim, a corte daquele homem gentil e que demonstrava sentir, por ela e por Gabriel, um sentimento puro e verdadeiro...
João de Deus Rodrigues , esse é o nome do bandido que casou com minha irmã. Durante algum tempo, João de Deus demonstrou ser o bom e dedicado marido; com isso, foi adquirindo mais e mais a confiança de Leila. Com um ano e meio de casados, Leila começou a sentir-se cansada, sem ânimo e, após exames médicos, foi diagnosticado um câncer no pâncreas. Durante o tratamento de Leila, Gabriel começou a sentir os sintomas da paralisia. Seu padrasto, alegando tratar da esposa, dizia ou fingia não ter percebido a doença do Gabriel. E Leila, já no seu estado terminal, não tinha ciência do mal que o acometia e morreu logo depois, pensando ter deixado Gabriel em boas mãos... Puro engano...
Com a morte da minha irmã, o pobrezinho ficou à mercê do padrasto, que nem se preocupou em lhe dar um tratamento médico adequado e, por isso, Gabriel ficou assim, todo aleijado... Depois disso, pegou o menino e mudou-se para outra cidade. Lá, deixou-o largado num hospital como indigente, menino de rua, com pais desconhecidos. A seguir, mudou-se novamente de cidade e como marido da falecida, tomou posse dos seus bens, deixando para trás Gabriel, o verdadeiro herdeiro. Depois disso, ninguém mais soube dele...
Gabriel, tida como criança abandonada, viveu vários anos naquele hospital, onde foi tratado com carinho por todos os funcionários que o adotaram, não só por ser deficiente físico, mas também pela doçura daqueles olhos lindos, da cor do céu. Além de tudo, demonstrava inteligência e habilidade suficientes para se cuidar sozinho.
Do meu lado, procurei, durante vários anos, saber notícias do meu sobrinho, mas como não tenho posses, nunca consegui encontrá-lo; A assistência social do hospital, quando Gabriel já estava com doze anos, localizou-me e ele veio para minha casa. Foi uma alegria só, Gabriel é um ótimo menino, trabalhador e nos ajuda vendendo as miudezas que a senhora conhece. Sou uma pobre viúva, lavo roupa para fora e o meu Josué entrega jornais. Gabriel fez questão de trabalhar, também e assim, ele nos ajuda bastante...
Dona Cristina ficou estarrecida com a história de Gabriel e prometeu que os ajudaria. Como sempre, recorre ao Marido Doutor Fernando, excelente advogado que não sabe negar nada para a esposa.
Dessa história, soube-se, depois, que o bandido foi localizado pela Polícia Federal, indiciado, preso e condenado a devolver os bens de Gabriel e este, com sua inteligência matemática, fez uma faculdade em Administração de Empresa e finalmente Gabriel pode viver condignamente, usufruindo dos seus bens, junto à sua querida família...
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