Tudo começou, quando nos preparativos do aniversário dos dezoito anos de Marluce, Ela recebeu a notícia de que seu namoradinho de infância, Rafael, filho de uma amiga de sua mãe, Helena, do tempo do Ginásio, viria para o Rio...
Não o via desde os doze anos de idade, mas no cantinho do seu coração, mantinha a esperança de um dia voltar a vê-lo e poderem retomar aquele namoro infantil que, para ela, era guardado em segredo, principalmente para seus pais.
Moravam distante, Ela no Rio, Ele na Bahía, onde cresceu e, sem mais notícias, ficaram longo tempo sem se verem... Nos seus devaneios, Marluce imaginava-o um rapaz com vinte e dois anos, bonito, gentil, amoroso, o tipo de homem que ocupou seu coração durante todo o período em que ficaram afastados.
Marluce era romântica, de uma beleza suave, um pouco tímida. Namorado, nem pensar, só estudava e sonhava com o seu príncipe...
Quando soube da chegada de Rafael, não se continha de alegria, suas faces coradas, dava-lhe a certeza de que seria esse o aniversário mais feliz de sua vida. Entretanto, tinha que disfarçar o seu entusiasmo para que seus pais não percebessem... Escondia dos pais esse sentimento por vergonha; religiosos ao extremo, pessoas tradicionalmente educadas com princípios morais arraigados. A jovem tentou, algumas vezes, dialogar com sua mãe, sobre as coisas do amor, porém Helena, pensando estar protegendo a filha, postergava esse momento para o dia em que Marluce estivesse para casar...
A chegada de Rafael e de sua mãe Rose , veio através de um telefonema que Helena recebera, na véspera do aniversário:
- Helena! Ô querida! Quem está falando aqui é Rose, sua amiga do Ginásio... Lembra?...
- Claro que me lembro, Rose. Como é que vai? Há quanto tempo!!!...
- É mesmo, quantas lembranças temos daquele tempo, né Helena?... Mas o motivo que me move, é o seguinte: tenho um tio muito querido aí no Rio que está doente, tem passado muito mal e nós, eu e meu filho Rafael, gostaríamos de visitá-lo...Só tem um porém, soubemos disso ontem e não deu tempo de arranjarmos local para ficar... Se você e seu marido não se incomodarem de nos receber em sua casa por poucos dias, ficarei eternamente agradecida. Prometo que não atrapalharemos...
- Fique tranquila, Rose, teremos imenso prazer em tê-los aqui ... Assim, nem preciso convidá-los para o aniversário da Marluce; amanhã ela completa dezoito anos e faremos uma festinha para parentes e amigos mais íntimos...
- Obrigada, Helena, pelo favor que me faz... Chegamos hoje mesmo, à noite...
Para Marluce, o dia não passava, tal era a sua ansiedade... Seus pais estranhavam aquela euforia; normalmente, a filha era tranquila, dificilmente deixava extravasar sua alegria, principalmente na frente dos pais, que lhe dedicavam um amor opressivo demais . Para eles, uma mocinha tem que ser educada, rir moderadamente, sem exagero, para não parecer fútil, oferecida, imoral...
À noite, de mala e cuia, chegaram os visitantes baianos. Rafael, de calça jeans, desbotada e rasgada, uma camisa de listras verdes, com barba e cabelo por fazer. Rose trajava saia estampada com rosas vermelhas e blusa também vermelha tomara-que-caia. Tudo nela era vermelho, inclusive os cabelos, avermelhados e os lábios com um vermelho carmim muito forte.
À primeira vista, Marluce decepcionou-se um pouco. Sabia que seu pai não iria apreciar pessoas assim tão extravagantes. Trataria de convencê-lo que o povo baiano é de oura cultura, mais extrovertido, alegre, carnavalesco, diferente de nós, mas nem por isso, menos honesto... Ante a argumentação da filha, “concordou” que os receberia bem, para não estragar a festa . Por um momento, Helena pensou também, que aquele convite não viera em boa hora, dada a intransigência do marido. Seu receio era que Pedro, muito impulsivo, não resistisse e os expulsasse da festa. Por isso, mesmo, antes que o marido os vissem, Helena chamou-o à parte e explicou-lhe os motivos que a levaram a concordar com a estada deles em sua casa:
- Pedro, meu querido, sei que você vai estranhar em termos em casa a Rose e o seu filho Rafael. Creia, porém, que são pessoas do bem, estudamos juntas no Ginásio e ela sempre demonstrou ótima índole: era boa aluna, adorava crianças, educada com todos, tínhamos muitas coisas em comum, daí a tornarmo-nos grandes amigas... Quando casou e com o Rafael já rapazinho, mudou-se com o marido e o filho para a Bahía e lá moram até hoje... De lá para cá, pouquíssimas vezes, nos falamos, assim mesmo, só por telefone.
- Está bem, Helena. Você me convenceu... Vou respeitar o pedido de vocês... Estou, até curioso para conhecê-los.
No jantar, Pedro, finalmente, pode conhecer os visitantes. Mãe e filho, muito falantes, facilmente e sem constrangimentos, agradeciam pela boa acolhida, com elogios rasgados ao casal e à aniversariante. E assim, Helena, foi dormir mais tranquila...
Tudo pronto para a festa, os convidados começavam a chegar com presentinhos delicados , muitos abraços, desejando muitas felicidades para a aniversariante e parabéns aos pais pela refinada educação dada à filha única. A maioria dos convidados, era constituída por pessoas da família e os demais, grande parte, amigos que frequentavam a mesma igreja do casal. Tudo muito moderado. A exceção eram os amigos baianos que, embora mais contidos na maneira de se vestir, em contrapartida divertiam-se e divertiam, também, outros convidados mais abertos às brincadeiras dos dois... Os menos preconceituosos, deixando de lado a calmaria da festa, colocaram, então, a música que era esperada e que animaria aquela festa enjoada e sem brilho... Foi quando Rafael convidou Marluce para dançar...
Sob o olhar severo do pai, a princípio pensou em adotar uma postura sóbria, como era costume. Entretanto, não resistindo à alegria exuberante de Rafael, que fazia-a rir com gracejos, rodopiava com ela nos braços, enfim, em pouco tempo, viu-se dando boas gargalhadas, com as palavras engraçadas que ele balbuciava no seu ouvido .Marluce nunca pensou que pudesse se divertir tanto!...
Depois da festa, já no quarto, Helena e Pedro conversavam sobre o evento:
- Você viu, Helena? Que figuras hem?
-Não os leve a mal, Pedro... São pessoas alegres, com aquela vontade de viver intensamente, um pouco diferente de nós. Com a mudança para a Bahía, era natural que mudassem seus hábitos, mas é gente boa...
- Espero que você tenha razão... Mas quero saber quantos dias ainda ficarão aqui na nossa casa, desarticulando a tranquilidade da nossa família... E olhe uma coisa: você notou como o tal Rafael, olhava para nossa filha?... Não gostei nem um pouco!...
- Não seja maldoso, Pedro! Não vi maldade alguma, somente dois jóvens dançando alegremente... Logo, logo irão voltar para casa...
- Espero que sim!!!
No dia seguinte, Rose e Rafael foram ao hospital visitar o tio e voltaram radiantes com a boa notícia: tio José estava de alta e amanhã, mesmo, voltaria para casa!
- Helena, nem sei como agradecer a vocês pelo acolhimento! Na volta do hospital, passamos por uma loja e compramos o presentinho da Marluce. Onde está ela?
- No quarto, estudando... Este ano, ela presta vestibular para medicina...
- Que bom, Helena... Você tem uma filha maravilhosa! Rafael, também, gostou muito dela; é pena que já tem uma noiva na Bahía, esperando por ele...
- Por favor, vá chamá-la para nos despedirmos...
Marluce recebeu o presente e emocionada agradeceu, dizendo:
- Que lindo! Obrigada dona Rose, não precisava gastar tanto! Era uma correntinha de ouro, com um rubi, em forma de coração...
Rafael despediu-se, também, sem antes deixar endereço, telefone, E-mail, a fim de estarem sempre conectados.
Partiram sorridentes, com beijos e abraços, inclusive para Pedro, que estava trabalhando...
Depois da partida, Marluce pensou, mais tranquila, que aquela visita fora benéfica porque mostrou pra ela que aquele sonho de infância não existia mais. Foi-se com ele a obsessão que morou na sua cabecinha desde criança.
Agora, tinha-o como um amigo querido, desses que animam a nossa alma com a sua alegria... E ela pode, finalmente, dedicar-se somente, aos estudos ...
Terminando esta história, Pedro teve que reconhecer que fôra injusto e intolerante com os amigos de sua mulher...
- É por isso, Pedro, que nunca devemos prejulgar as pessoas pela maneira de se vestir ou de falar. Você julgou-os só por isso, ignorando o que há de bom no interior de cada um. O que você viu “parecia ser... mas não era”...
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